segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O crime da Mala



O famoso Crime da Mala

No dia 7 de outubro de 1928, no pátio do armazém 13 do porto santista, a polícia abriu uma mala endereçada a Ferrero Francesco, Bordeaux (França), que seria embarcada no navio Massilia. Nela, havia o cadáver de uma jovem. Feita a autópsia, verificou-se o aborto post mortem de um feto de seis meses. Uma menina. O crime comoveu o Brasil, tornando-se então o mais famoso dos chamados Crimes da Mala:

Veja: O crime de 1928
           Noticias de 1928
           A história, 50 anos depois
           Em 2010, a história se repete, no Rio de Janeiro


Giuseppe Pistone e Maria Fea eram recém-casados. Imigrantes. Ele, 31 anos, admirador de Mussolini, havia recebido uma herança, que acabou sendo gasta em viagens e passeios. Ela, uma moça bonita e delicada, vivia para o marido, segundo seus parentes. Mas Giuseppe era muito ciumento e a situação financeira do casal ia mal.
No dia 4 de outubro, Pistone a sufocou com as mãos. "Louco de espanto e dor, porque não a apertei (...) mais do que um só minuto, deitei minha Mariuccia sobre o leito, cobrindo-a (...) de beijos (...). Passei toda a noite com sua loira cabecinha entre meus braços", confessou ele depois.
O crime repercutiu na imprensa de todo o Brasil, ficando conhecido como "O crime da mala" (na verdade, mais um desse tipo, pois duas décadas antes, em setembro de 1908 os jornais deram grande destaque a um crime assim, cometido pelo jovem sírio Miguel Trad, de boa família e regular cultura, assassino de um sr. Farah, de cuja esposa se apaixonara).
Devido à grande repercussão do caso de 1928, o túmulo de Maria Mercedes Féa, no cemitério da Filosofia (Saboó), passou a ser bastante freqüentado pela população santista, que a venera como a uma santa desde então, em virtude de seu trágico fim, e vários casos de cura milagrosa já são atribuídos à intercessão de Maria Féa.

O crime foi noticiado em jornais de todo o Brasil - como este, da capital paulista

Imagem: página 3 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928


Uma aventura interrompida
A mala sinistra
Desembarcada na São Paulo Railway, em Santos, e transportada para um dos porões do Massilia, descobre-se que o seu conteúdo era um corpo mutilado de mulher

A polícia santista se acha empenhada, seriamente, na descoberta de um crime sensacional cujos planos foram engendrados e executados nesta capital.
Trata-se de uma reedição do caso da "Mala Sinistra" que era mais de 2 anos celebrizou Miguel Trade, recentemente condenado a expulsão do território nacional.
Miguel Trade e sua história, são demasiado conhecidos.
O desfecho do drama que sua perversidade fomentou e executou, não fora bastante para um arrependimento.
Depois de uma liberdade que era um prêmio à sua regeneração, a própria justiça que o pusera em contato com a sociedade, se viu obrigada à medida extrema de sua expulsão.
Foi uma nuvem que passou.
São Paulo jamais poderia pensar na reedição de semelhante tragédia, quando ontem, em Santos, surge uma segunda

"Mala sinistra"

Na estação da Ingleza, fora desembarcada pela manhã a mala que levava a seguinte inscrição "FRANCESCO FERRERO BORDEOS" e que mais tarde era transportada para bordo do Massilia, a levantar feros no mesmo dia.

Um cheiro comprometedor

No local em que se achava a mala, era o ar irrespirável.
Entretanto, pouca gente deu pelo achado.
As desconfianças de um dos funcionários: o conferente do armazém 14, sr. Noé, observara que da mala em questão corria um ligeiro filete de um líquido escuro que mais parecia sangue.

O transporte  

Cerca das 13 horas, apareceu na estação da Ingleza um rapaz de cerca de 28 anos de idade, trajando roupa azul, gravata borboleta, chapéu branco, botinas pretas de elástico, pouco bigode, barba raspada, estava regular.
Aí, dirigindo-se ao carregador n. 71, incumbiu-o de fazer o transporte da mala para o cais, o que foi feito no caminhão de chapa 1.549, fretado nessa ocasião para um serviço de seu colega de chapa 69.
Era grande o interesse do desconhecido, proprietário da mala, o qual auxiliava o menor movimento que se fazia com a mesma.

O embarque 

Cerca das 14.15 horas, o Massilia atracava ao cais.
O estranho personagem da mala, alvo já dos olhares curiosos, não arredava pé.
Sentado sobre o volume, então já suspeito, sentiu-se como libertado de um grande peso, quando foi a mala transportada para o porão do vapor.

A denúncia  

Pouco antes das 16 horas, a Polícia Marítima se comunicava com a Delegacia Regional, pedindo a presença da autoridade a bordo do Massilia.
Para lá rumou o dr. Armando da Rosa, em companhia dos drs. Roberto Catunda e Carlos Hummel, do Gabinete Médico Legal.
É que, ao ser removido o já suspeito volume, se acentuara o cheiro horrível que do mesmo se desprendia, e ainda, com uma agravante - o líquido que era a mais irrefutável das denúncias.

Um cadáver esquartejado 

Aberta a mala, na presença das autoridades, foi encontrado um cadáver de mulher, completamente esquartejado.
Sobre os destroços de carne humana se encontravam roupas de uso, sapatos e meias, além de flores artificiais.

O mistério  

Em torno do caso paira o mais impenetrável mistério.
Francisco Ferrero, o consignatário da mala sinistra, não foi encontrado a bordo.
Pelo menos, com esse nome, ou pessoa que se relacionasse com o mesmo, nada se constatou.

As investigações  

A polícia santista se comunicou com a desta capital, sendo que o dr. Rebello Netto, chefe do Laboratório de Polícia Técnica, do Gabinete de Investigações, seguiu para a vizinha cidade, onde vai dirigir as pesquisas.

Uma prisão  

Durante a confusão, foi preso a bordo um passageiro de 3ª classe, José Ferreira, de nacionalidade portuguesa, contra o qual recaíram algumas suspeitas.
Verificou-se logo, porém, serem as mesmas infundadas.
Às 17 horas, o Massilia, sem outra novidade, deixava o porto de Santos.
Prossegue a polícia nas investigações, que se estendem a esta capital.

Uma pista  

Entre os objetos e peças de vestuário encontrados no interior da mala, é de se salientar um lenço com a inicial "R", bordada.
Em torno desse particular corria em Santos o boato de que não se devia abandonar a possibilidade d estar, de novo, Miguel Trade envolvido em uma façanha igual à que o celebrizara.
Teria entrado no país, clandestinamente, onde deixara sua noiva, Rosa de tal, e querendo levá-la consigo, consumara aquele crime.
A inicial "R" é bastante significativa e justificava, em parte, o boato.


Na edição do dia seguinte, 9 de outubro de 1928 o mesmo jornal Folha da Manhãdestacou o tema na primeira página e nas páginas 8 e 9:

Imagem: primeira página do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928

Os grandes crimes
Mais sanguinário que as próprias feras!
Um indivíduo estrangula a esposa, retalha o cadáver e encerra-o numa grande mala de viagem – Com que inaudita ferocidade o desumano reeditou o Crime da Mala

As visões do Apocalipse não foram simplesmente o tormento de uma fantasia oriental que o misticismo desorientara em Patmos. As cenas horrorosas desse vidente vão sendo traduzidas em fato pelo homem moderno. Sempre, o ódio, a vingança, a crueldade, o cinismo, transformaram-se nos cinco dedos do homem assassino, que se crispam no punhal mais afiado, no revólver mais certeiro, para matar com requintes de demônio incubado no corpo humano, a primeira vítima da sua fúria.
S. Paulo,que ainda há pouco teve uma recordação apavorante do inesquecível "Crime da Mala", ao ver em liberdade Miguel Trad, vem desde ontem sendo abalado, violentamente sacudido por essa reedição da sangrenta execução de Farhat. Repete-se a tragédia com os mesmos pormenores da outra. O discípulo guardou bem a lição do sírio tenebroso e a executou, superando o mestre em perfeição de técnica e de crueldade. Deveria ter sido criança esse monstro de agora, quando Trad espantou o mundo com a sua ferocidade de estrangulador, para que em sua imaginativa se fixassem tão profundamente os pormenores do velho crime. Seguiu os meandros deixados pelo predecessor no requinte da impiedade, avançando um pouco mais no quase êxito da empresa macabra.
Nada o demoveu da sua tentativa: lutou com a vítima; dominou-a violentamente; estrangulou-lhe a vida na garganta em convulsões espantosas a que assistiu com procurada volúpia; cerceou-lhe as articulações; forçou o tamanho da estatura; esquartejou-a para que coubesse na pequenez da mala escolhida. Acompanhou-a até Santos; velou como um cão de fila a presa até os últimos momentos. A carne putrefata tresandava horrivelmente; o sangue manchava o pavimento, a denunciar o crime. Ninguém suportava a exalação espantosa e, entretanto, o monstro velava, assentado sobre o caixão da vítima. Só desapareceu, quando a boca enorme e escura dos porões do Massilia tragou a carga tormentosa.
A mão, porém, da Justiça, impeliu para a luz da vida o fardo tenebroso que os punhos assassinos do facínora tentavam sepultar nos abismos insondáveis do Atlântico. Num momento, os homens todos estremeciam ante o horror do achado apocalíptico e como que arrastados pelo horror do crime, puseram-se em diligências para a captura do monstro, para a completa elucidação da monstruosidade inacreditável.
Entre José Pistone e Miguel Trad há um pormenor de crueldade que diminui a figura horrível do matador de Faraht para avultar o perfil hediondo deste facínora moderno: aquele estrangulou um homem que pôde sustentar combate, que pôde oferecer defesa e só baqueou porque a traição o venceu; este, esquartejou um corpo quase inerme de moça, que nunca teria podido opor-se ao desgraçado senão impulsionada pelo instinto violento da conservação da vida. Matou como um covarde, como um vilíssimo sicário que levou a sua infinita ruindade na fraqueza de um corpo de mulher.
Trinta anos, o máximo da penalidade que lhe pode aplicar a lei brasileira, não representam nada para tamanho cinismo. Seria necessário reeditar também a Idade Média e,superando aqueles mestres dos requintes vingativos da Inquisição, preparar a José Pistone o máximo que nos pudessem fornecer todos esses velhos tormentos aperfeiçoados e sintetizados num só, num único apenas. – Quem poderá imaginar o que haveria de ser? Só o próprio assassino, porque igual a si mesmo, só ele próprio. A Mão que paira acima das cabeças desnorteadas dos homens saberá colhe-lo entre os seus dedos inexoráveis e nessa palma, da qual nenhum monstro ainda escapou, encontrará mais este a vingança de que se tornou réu satânico, infernal.


O criminoso José Pistone
Imagem: detalhe da página 1 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928


As primeiras informações – A divulgação da notícia de que em Santos havia sido descoberta uma mala de viagem, dentro da qual existia, mutilado, o cadáver de uma mulher, que estava para ser embarcada para bordo do Massilia, despertou no espírito público, como é fácil de imaginar, intensa curiosidade. A extraordinária coincidência de detalhes desse acontecimento com os daquele que passou à história com o nome de "Crime da Mala", e que tanto celebrizou a esquisita figura de Miguel Trad, contribuiu grandemente para que todas as atenções se voltassem ao noticiário dos jornais, em que vinham as primeiras diligências efetuadas pela polícia do vizinho porto de mar.
Sendo o único jornal da manhã, que circula às segundas-feiras, a este coube, em primeiro lugar, pôr a população de S. Paulo a par do que se tinha passado em Santos e do que estava fazendo a nossa polícia. Tanto assim que a nossa edição de ontem foi consideravelmente aumentada em sua tiragem, havendo entre os pequenos vendedores de jornais verdadeira disputa, por serem os primeiros a arrebatar das mãos dos nossos empregados os pacotes da Folha da Manhã, destinados à venda. Logo depois saíram outros jornais, que tiveram igualmente grande procura, sendo de notar-se que foi a Gazeta que publicou as primeiras fotografias, mostrando pormenores do que fora a perversidade com que agira o criminoso.
Às derradeiras horas da tarde, a reportagem da Folha da Noite conseguira, ao cabo de um dia de trabalho intenso e profícuo, assenhorear-se de preciosas informações, colhidas em fontes diversas, mas todas seguras. Foi assim que, tendo cabido, como dissemos, à Folha da Manhã divulgar em primeiro lugar o fato, coube à Folha da Noite ser o primeiro jornal a espalhar por todos os cantos da cidade, em linhas gerais, a descrição de como se passaram os fatos, desde o momento em que fora adquirida a mala sinistra, até àquele em que a polícia se viu convenientemente armada para deitar mãos ao bárbaro e desumano indivíduo, que acaba de escrever o seu nome de forma indelével e impressionante nos anais da criminologia.
Os trabalhos da técnica policial – Uma das primeiras providências tomadas, ontem, pela polícia, foi enviar para Santos o dr. Rebello Netto, diretor do Gabinete de Técnica Policial, o qual fez a sua viagem de automóvel, pela estrada de rodagem, levando em sua companhia pessoal especializado, inclusive fotógrafo que, no necrotério do Saboó, apesar do mau tempo que então reinava, conseguiu bater algumas chapas, reproduzidas, hoje, em nossos clichês.
O dr. Rebello Netto deu início ao seu trabalho pouco depois das dez horas, no necrotério daquela necrópole, sendo nisso auxiliado pelos drs. Roberto Catunda e Hugo dos Santos Silva, médicos legistas da delegacia regional de Santos.
Um quadro horrível – A abertura da mala e o exame dos pedaços do cadáver atraíram ao cemitério santista elevado número de curiosos, que a polícia mal pôde conter, estabelecendo, para isso, à porta do cemitério, um cordão de isolamento de maneira que, no local onde os técnicos da polícia trabalharam, apenas tiveram entrada os funcionários da delegacia regional e os representantes da imprensa.
Aberta a mala, foi horrível o espetáculo que aos curiosos se deparou. Sobre o mármore frio de uma mesa puderam eles ver o cadáver disforme e arroxeado da infeliz vítima, mal coberto por um pano de cores vistosas. Ao lado, a mala sinistra, que era de couro amarelo e estava toda forrada de papel por dentro. Dentro dela, um sem número de objetos, principalmente de pequena valia.
Entre os objetos que se viam na mala, notavam-se uma caixa de pó de arroz Coty, um vidrinho com pastilhas higiênicas, uma seringa, um vidro de extrato, um cobertor de lã, um lençol de linho, um travesseiro sem fronha, com os fundos verde e amarelo, uma almofada, uma porção de retalhos de fazenda e peças de vestuário.
O cadáver nada mais apresentava de vestuário, além de um pequeno colete de lã, que agasalhava apenas o busto, e uma camiseta de tricô. Calçava meias de seda, sustentadas abaixo da curva da perna por ligas de elástico, sem enfeites.

A mala trágica com o seu precioso conteúdo
Imagem: detalhe da página 1 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928


A propósito da necrópsia

Um detalhe surpreendente que desde logo impressionou os que se encontravam ao lado dos funcionários da polícia, por ocasião da necropsia, foi o que os médicos legistas assinalaram. É que a desditosa vítima da emocionante tragédia estava grávida de quatro ou cinco meses, tanto assim que durante a noite, dentro da mala, o feto fora expelido, naturalmente. Os médicos o encontraram ao lado do corpo, logo que procederam à abertura da mala.
Sobre esse pormenor tivemos oportunidade de conversar, à noite, com o dr. Rebello Netto. Este técnico achava que o caso, não só pelas circunstâncias particulares da forma por que se revestiu, como por outras razões, à perícia médica se afigurava dos mais interessantes. Acrescentou-nos então que a causa-mortis deveria ter sido a asfixia, provocada por um pequeno movimento de mão, que não chegara a deixar vestígios exteriores no pescoço. A peritagem concluíra desde início por tal causa, mas não encontrou internamente sinais que comprovassem as suspeitas. É que os tecidos e os vasos sanguíneos nada indicavam que pudesse confirmá-las. E como desejássemos saber de que forma entendiam os peritos que fora produzida a asfixia, respondeu-nos o dr. Rebello Netto:
- Esta pergunta foi objeto de cuidadoso exame dos peritos, que afinal, por exclusão, concluíram por um movimento de mão criminosa, apertando o pescoço, apesar da falta de caracteres exteriores.
Observou ainda o dr. Rebello Netto o fato de oferecer grande fragilidade a ossatura da vítima que, apesar da idade, ainda apresentava aquele tecido em muitas regiões na sua forma cartilaginosa.
Com relação ao feto, informou-nos o dr. Rebello Netto que ele estava no seu sexto mês de gestação.

Inquérito no Massilia
  
Não foram só as polícias de São Paulo e de Santos que se empenharam na descoberta do estranho caso. O comandante do Massilia, segundo a Cia. Chargeurs Réunis, proprietária daquele vapor, comunicou ao dr. Armando Ferreira da rosa, procedeu a uma rigorosa enquete a bordo do vapor, no intuito de auxiliar os trabalhos de investigação que deveriam ser feitos.
Acrescentava a informação que o inquérito promovido pelo comandante do vapor constava de várias peças, entre as quais numerosas declarações prestadas por passageiros, principalmente da terceira classe, visto como era nessa que deveria ser transportada a mala sinistra.

A polícia em Santos e em São Paulo  

Ao mesmo tempo em que o dr. Armando Ferreira da Rosa, delegado regional de Santos, informado de tudo o que se passara a bordo do Massilia, empregava toda a sua atividade no descobrimento do misterioso condutor do volume sinistro, aqui em São Paulo o Gabinete de Investigações espalhava por onde lhe parecesse necessário os seus auxiliares, no sentido de alguma coisa apurar, que pudesse servir de auxílio aos trabalhos da polícia santista, ou que viesse desfazer todas as dúvidas que pairavam em torno do caso.
Quem assumiu a direção das investigações foi o dr. Carvalho Franco, porque a essa autoridade é que está confiada a delegacia de Segurança Pessoal.

Um diálogo  

Depois que a Folha da Manhã começou a circular, não raro pelas ruas se encontravam grupos de pessoas que, diante do impressionante fato, não se continham e paravam a comentar, a dar uma opinião, a pedir uma explicação. Exatamente de um desses leitores é que partiu o fio da meada que a polícia, ao cabo de algum tempo, conseguiu desfazer, com muita felicidade. Foi no Largo Paysandú.
Um ex-inspetor de segurança, que por ali passava, ouvindo dois indivíduos estranhos a conversar com o jornal na mão, e com ares de que se achavam muito preocupados com que liam, recordou-se dos seus velhos tempos e sentiu de novo pruridos de Scherlock. Aguçou melhor o ouvido, olhou de um lado para outro, como que não quer nada, e muito sorrateiramente se foi aproximando dos dois desconhecidos. De repente sorriu. É que lhe chegara aos ouvidos uma frase que, ele bem sabia, dizia tudo:
- Veja você. E fui eu que vendi esta mala…
Tendo já perdido o hábito de descobrir crimes e de apanhar criminosos, o velho inspetor de segurança fez o que na gíria policial que bem conhece, se chama uma "mancada". Em vez de seguir o indivíduo ou mesmo de o deter, o antigo inspetor, precipitado, partiu como uma bala rumo ao Gabinete de Investigações, onde entrou afobado, a contar o que tinha ouvido. Só não disse, porque não sabia, quem era o vendedor da mala, e onde poderia ser encontrado.

Onde a mala foi vendida  

Mas não teve grande importância a gafe praticada pelo antigo agente de polícia. A diligência da autoridade policial que estava presidindo ao inquérito e os esforços ingentes de seus auxiliares supriram perfeitamente a falha do desajeitado sherlock. Diante dessa interessante informação, o dr. Carvalho Franco mandou que seus investigadores percorressem as fábricas de malas da cidade, indo em primeiro lugar, e de preferência, àquelas que ficavam nas imediações do local em que os dois desconhecidos indivíduos estiveram palestrando sobre o caso narrado pelos jornais. Algumas horas depois, graças a esse expediente, estava a polícia informada de que a mala encontrada em Santos, contendo o cadáver de uma mulher e a seu preço, fora adquirido na fábrica instalada na Avenida S. João nº 111.

A compra da mala  

Quem esteve na referida fábrica de malas, a semana passada, e aí a comprou, foi o próprio indivíduo que a transportara daqui para Santos e em cujo encalço andava a polícia. Ele entrou na casa com muita naturalidade, fez com que lhe mostrassem várias malas de viagem, e escolheu aquela, cujo preço pagou, ordenando que a remetessem imediatamente para a Rua Conceição nº 31, 3º andar, apartamento 5. Isso na quinta-feira, à tarde. Horas depois, de acordo com o que tinha prometido, o estabelecimento mandou um dos meninos que tem a seu serviço levar o objeto comprado ao lugar determinado pelo freguês.
O menor que se encarregou desse trabalho conta que ao chegar já encontrou à sua espera o comprador, o qual, abrindo-lhe a porta do apartamento, evitou que ele entrasse, recebendo a mala à entrada e dali mesmo despachando-o, depois de lhe haver posto na mão, como propina desse trabalho, uma moeda de quinhentos réis.

Os moradores do apartamento  

O prédio n. 34 da Rua da Conceição é de três andares e explorado como casa de apartamentos. Moram lá várias famílias e rapazes solteiros. A guarda da casa está confiada a vários empregados do proprietário, estando encarregado dos serviços da portaria o indivíduo Francisco José Ferreira, que, em virtude das suas funções na casa, pôde prestar à polícia informações que serviram para melhor orientar as diligências.
O apartamento n. 5, do 3º andar, para onde deveria ter sido enviada a mala, como de fato foi, está, há tempos, alugado ao sr. Ramiro Franco, que ali reside em companhia de sua mulher, d. Maria Sitrangulo de Oliveira. Foi esse casal que, há coisa de um mês, alugou a sala onde afinal veio a ser perpetrado o crime horroroso que ontem empolgou a cidade e está agora completamente esclarecido. E quem a tomou de aluguel foi o indivíduo José Pistone, empregado no comércio.

A prisão do criminoso  

De posse dessas informações, estavam as autoridades policiais, já então fortemente esperançadas do esclarecimento do crime nos seus mais pequeninos detalhes, à procura de José Pistone, quando um outro pormenor sobre este lhes chegou ao conhecimento. É que José Pistone tinha aqui em São Paulo um parente: José Perrotti, residente à Rua Barra Funda, 88.

Para lá partiu imediatamente uma pessoa, a sindicar do paradeiro daquele personagem. Informando-se então de que realmente José Pistone era relacionado por laços de parentesco com o sr. José Perrotti e àquela hora deveria estar na Rua Ypiranga, n. 30, na Pensão Grasso, cujo proprietário é seu amigo, para lá se dirigiu o auxiliar da polícia, onde encontrou o morador da sala alugada no apartamento n. 5, do prédio da Rua da Conceição n. 34. Foi então efetuada a prisão do indivíduo procurado, o qual exatamente nesse momento estava a tomar uma automóvel, em companhia do proprietário da pensão.
Uma vez transportado para o Gabinete, e apresentado ao dr. Carvalho Franco, àquela autoridade Pistone declarou ser efetivamente o assassino da mulher, que era sua esposa, cujo cadáver pretendera transportar na mala apreendida em Santos.

O criminoso e a vítima 

José Pistone é italiano, natural da cidade de Canelli, conta 28 anos de idade, mede 1 metro e 68 cm de altura, tem olhos azuis e cabelos castanhos. É filho de Carlos Pistone, morador até agora em sua terra natal. Esteve algum tempo em Buenos Aires, e de lá chegou recentemente, trazendo em sua companhia sua esposa, que se chamava Maria Féa Mercedes, era loira, tinha 21 anos de idade, magra, de estatura regular. Como seu marido e assassino, Maria Féa era italiana. Eles tinham se casado na Itália. 

A polícia e a reportagem  

Tendo até ao momento da prisão de Pistone guardado o mais rigoroso sigilo a respeito das investigações a que vinha procedendo – o que não impediu que a reportagem da Folha da Noite lograsse, lançando mão dos recursos ao seu alcance, inteirar-se minuciosamente do que a polícia vinha fazendo, nem tampouco que o crime fosse por ela noticiado em todos os pormenores – uma vez recolhido à sua guarda o bárbaro assassino aquela autoridade permitiu que os representantes da imprensa junto à sua delegacia pudessem inteirar-se de tudo aquilo que já havia sido divulgado pela nossa companheira da noite, e dos detalhes por escassez de tempo os nossos auxiliares não haviam conseguido obter.

As declarações do criminoso  

As declarações do criminoso foram assim prestadas em presença das reportes dos diversos jornais da capital. Pistone falava de uma maneira mais ou menos agitada, tendo um tique nervoso que o fazia constantemente levar as mãos à boca, cujo lábio superior se arrepanhava levemente. Expressava-se mal em português, tendo falado quase que só em italiano. 
Assim mesmo, interrogando-o com paciência, conseguimos, pouco a pouco, que ele nos contasse a sua história toda.

A vinda para a América  

Casando-se na Itália, logo depois resolveu vir para a América, tentar fortuna, como tantos dos seus patrícios. Escolheu para ponto de suas atividades a capital da Argentina, tendo lá chegado com algumas economias, que montavam a 40.000 liras italianas.
Lá, porém, a sorte, ao que declarou, não lhe foi favorável, visto como, ao cabo de algum tempo, sem que tivesse grande trabalho, constatou que a sua pequena fortuna estava reduzida quase que à metade, pois que só lhes restavam 22.000 liras de todo o dinheiro que trouxera de sua pátria. Resolveu também, de acordo com sua esposa, tentar novas terras.
Embarcou então para o Brasil, aqui chegando em meados de julho deste ano, indo hospedar-se no hotel d'Oeste.
Não ficou, porém, muito tempo naquele estabelecimento. Desejoso de ter na realidade um lar, ou pelo menos uma residência onde pudesse estar mais à vontade, José Pistone alugou a sala do apartamento da Rua Conceição.
Conseguiu então colocar-se na Casa Pistone, naquela mesma rua, n. 58, onde trabalhava já há algum tempo, estando ao que parece muito satisfeito.

Uma rusga do casal  

Logo que foram morar na Rua da Conceição, Pistone entregara à esposa 15.000 liras, que era o que restava de suas economias, com as quais pretendia mais tarde fazer um peculiozinho. Dias depois, tomando a resolução de depositá-las na casa onde trabalhava, pediu o dinheiro à esposa. Esta, meio contrafeita, das 15.000 liras só lhe trouxe 12.000, dizendo que certamente perdera o resto. Interrogada com aspereza pelo marido, Maria Féa nada adiantou sobre o destino das 3.000 liras.
A questão ficou nesse pé. Mas no espírito de Pistone uma pequena desconfiança ganhava terreno. Que teria feito a esposa do dinheiro desaparecido?

Imagem: página 8 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928


O crime  

Quinta-feira passada, mais ou menos às 11,30 horas, deixou o trabalho, encaminhando-se para sua casa, com a intenção de ir buscar a esposa para irem almoçar, como era de costume, num restaurante das proximidades.
Acabava de abrir a porta do quarto que ocupava naquele apartamento, quando um homem saltou da sua cama, onde estava ainda deitada sua mulher, e escapuliu pela escada abaixo, sem que ele, atônito, pudesse fazer o menor movimento.
Em seguida, sua esposa, sem que ele nem sequer a interrogasse, pôs-se a gritar que não tinha culpa, chorando copiosamente.
Alucinado – é ele ainda quem o narra –, sem calcular o que fazia, atirou-se sobre ela, ainda na cama, e estrangulou-a. Em seguida, procurando acalmar-se, fechou a morta e, deixando-a sem vida sobre o leito, partiu para o escritório, trabalhando até tarde.
Acabado o seu serviço diário, foi à casa de malas, fez a sua compra, e foi esperá-la em casa. Recebeu-a, tornando a sair imediatamente.


Uma noite em claro  

Nessa noite, segundo acrescentou, não pôde dormir. Não voltou para casa, tendo ficado a passear pelas ruas da cidade, até que rompesse o dia.
Era sua ideia, disse ele, suicidar-se, acompanhando sua esposa na morte.
Na sexta-feira foi trabalhar, permanecendo o dia todo fora de casa.
Voltando, à tarde, é que tratou de dar execução ao plano que arquitetara quando comprou a mala. Cuidadosamente meteu dentro dela o corpo já frio e rijo de sua mulher. Como, porém, devido à rigidez cadavérica, ele não pudesse entrar na mala, lançando mão de uma navalha, José Pistone seccionou-lhe as pernas, na altura dos joelhos.
Isto feito, tornou a sair de casa, passando de novo a noite em claro.
Só no sábado à noite é que, chamando um carregador, contratou com ele a condução da mala para a estação da Luz, onde ela deveria ser despachada para Santos.
A mala foi levada até aquela estação no autocaminhão n. 716, de propriedade do chofer Vicente Caruso.


Em Santos  

Chegado à vizinha cidade, José Pistone deixou uma valise, que levara consigo, num café próximo à estação, ficando a perambular pelas ruas – pois, disse, desde que praticara aquele crime, o sono o abandonara por completo.
No dia seguinte pela manhã, domingo, tratou de voltar à estação, a fim de retirar a mala. Foi então que ele chamou os carregadores ns. 69 e 71, a fim de que eles efetuassem o transporte para bordo do Massilia, pois que o despacho já estava completamente regularizado nos escritórios da Chargeurs Réunis, tendo Pistone disposto tudo de maneira a que nenhum empecilho viesse impedir a marcha regular dos seus planos.
Depois que a mala foi levada para bordo, ficou ele ali no cais. Disse que era sua intenção esperar que o vapor partisse, a fim de se atirar ao mar.
A volta da mala para terra – Foi, porém, enorme a sua surpresa, quando viu que, depois de um grande corre-corre pelo cais, a mala era de novo trazida para fora, sendo imediatamente cercada por grande número de curiosos.
Acercou-se também, esperando pelo que ia acontecer.
Viu chegar as autoridades e viu quando a mala foi aberta.
Assistiu à sua retirada da mala e consequente remoção para o cemitério do Saboó.

A volta para S. Paulo  

Acompanhou de perto as diligências da polícia santista, sendo que só ontem, às 16 horas, lembrando-se de que tinha aqui em São Paulo muitos negócios a tratar e vários documentos que deviam ser enviados à sua família, voltou para esta capital, pela estrada de rodagem, tendo contratado um automóvel pelo preço de 200$000.
Esse automóvel foi deixá-lo na casa n. 30 da Rua Ypiranga, onde reside um seu amigo, de nome Grasso, proprietário daquela pensão.
Entregou-lhe todos os documentos que possuía, bem como o recibo do depósito de 12.000 liras que estavam na Casa Pistone, da qual ele era empregado.
Disse que sua intenção era suicidar-se. Foi porém impedido pela chegada da polícia, justamente na ocasião em que saía para um automóvel, a fim de chegar até ao Rio Tietê, onde pretendia afogar-se.

A fábrica situada à Avenida São João onde foi adquirida a mala sinistra
Imagem: detalhe da página 8 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928

Suspeita infundada  

Como é natural das ocasiões como esta, levantam-se a propósito de tudo as mais absurdas suposições. Ontem ainda, diante de um caso tão misterioso e ao mesmo tempo tão interessante, sob todos os pontos de vista, não houve quem não tivesse a sua pouquinha de dúvida, que não levantasse esta ou aquela suspeita. Uma tinha a justificá-la toda uma longa série de coincidências. Era a que admitia a possibilidade de ter esse crime sido praticado pelo mesmo autor do primeiro, registrado em idênticas circunstâncias pela nossa polícia. Assim foi que o nome e o caso de Miguel Trad vieram com muita insistência à baila.
Não se sabe bem de onde, nem quando, o certo é que apareceu e divulgou-se logo a informação de que entre as pequeninas peças de roupa encontradas na mala, uma havia trazendo a inicial "R". Ora, a pobre moça com quem Miguel Trad, saindo da cadeia e dando expansão a todos os seus vícios, afinal se casara meses atrás, chamava-se Rosa. Daí o ter muita gente admitido que o estrangulador de Farah tivesse regressado sub-repticiamente lá do estrangeiro para onde foi deportado, e aqui tivesse perpetrado, desta vez contra sua própria esposa, um novo e bárbaro crime, em tudo semelhante ao primeiro.
Mas essa hipótese não deu muito trabalho à polícia, porque a argúcia do antigosherlock não tardou a pôr as autoridades no caminho exato do criminoso.

Outra suspeita  

Falou-se também em que a vítima da ferocidade do então desconhecido criminoso não era outra senão uma pobre moça, que ganhava a sua vida trabalhando como corista da Companhia Velasco, atualmente nesta capital. E isso, porque todos os traços fisionômicos dados pelas informações coincidiam perfeitamente comos da corista referida. A polícia chegou a impressionar-se com a coincidência e a dar ouvidos às sugestões apresentadas neste sentido. Tanto assim que andou a investigar, mandando ao Teatro Santa Helena um de seus auxiliares, ao mesmo tempo em que outros, lá em Santos, tratavam de se informar a respeito no Coliseu Santista. Mas nem aqui nem lá lograram os agentes informes que valesse a pena prosseguir nas indagações.

A fechadura da mala

Em Santos tudo quanto pudesse de alguma forma ter relação com o fato merecia cuidadoso exame e profundas reflexões, tanto dos funcionários da polícia, quanto dos repórteres e até mesmo do povo em geral. Não escapou a lides perseguidas, por exemplo, a fechadura da mala, em que se encontrara o cadáver.
Examinada detalhadamente a mala, não faltou quem desse logo por uma coisa estranha: é que a fechadura não era provavelmente a que tinha sido colocada pelo fabricante na referida mala. É de metal amarelo, forte, e já usada, e por consequência – concluía-se, a mala não poderia ter sido adquirida recentemente. Demais, a fechadura, segundo afirmavam todos os técnicos entendidos em fechadura, era de pura e legítima fabricação americana.
Mulher estrangeira… Fechadura americana… Não se trataria por acaso de um crime de que houvesse sido vítima uma senhora de nacionalidade americana e que porventura estivesse faltando na colônia dos Estados Unidos domiciliada em São Paulo? Essa pergunta andou por muitas bocas e ficou como outras, mais ou menos assim, sem resposta nenhuma, até a noite, quando, afinal, de tudo se veio a saber.



O prédio n. 34, da Rua da Conceição, em cujo 3º andar se verificou a tragédia
Imagem: detalhe da página 8 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928

Uma noite em Santos  

Como acima dissemos, entre outras coisas, afirmou José Pistone, nas suas declarações à polícia, que desde o momento em que estrangulou a sua mulher, não pôde mais conciliar o sono e que tem passado as noites ao léu, vagando pelas ruas. Não deve ser verdadeira essa alegação, como várias outras contidas no mesmo depoimento. Contra essa, pelo menos, está a informação de alguns inspetores da polícia santista, que asseguram ter o assassino pernoitado na noite de domingo no Hotel Roma, à Rua São Leopoldo,onde se apresentou como nome suposto de José Rossi. Domingo pela manhã, ao retirar-se do hotel, José Rossi, que outro não era senão o assassino, pagou a importância dobrada pela sua hospedagem.

O chofer que trouxe o criminoso  

O chofer que trouxe o criminoso de Santos para esta capital é um dos mais conhecidos da vizinha localidade. Conduz o automóvel de chapa 848, que faz ponto na Rua Frei Gaspar. Chama-se Firmino de tal e é mais conhecido tanto em Santos como na roda de seus colegas desta capital pela alcunha de "Leão".
Durante a viagem, o chofer nada observou no passageiro de seu automóvel, que lhe pudesse sugerir a ideia do facínora que conduzia. Apenas quando eles passavam por São Bernardo, José Pistone desceu do automóvel e se dirigiu ao restaurante, para comer alguma coisa. Nesse momento, o chofer notou que ele estava visivelmente nervoso. Ignorando porém o que se passava, não ligou maior importância ao caso.



Imagem: página 9 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928


Precauções do assassino  

José Pistone, depois que praticou o delito, procurou acautelar-se o mais possível, para evitar que a polícia viesse a descobrir o seu horripilante crime. Assim, por exemplo, procurou aparentar sempre a maior calma possível. E em Santos, tendo de mandar a mala para bordo do Massilia, como se sabe, só o fez 15 minutos antes da hora determinada para a partida do vapor, na esperança de que, no atropelo da hora, o volume sinistro passasse despercebido.

O transporte para bordo  

Daqui para Santos, José Pistone, como dissemos, viajou no mesmo trem em que fez transportar a mala. Para despachá-la usou até de um estratagema muito hábil. Para evitar maiores complicações com a estrada de ferro, comprou para si uma passagem de primeira classe e uma poltrona das que se usam em determinados trens daquela estrada. A sua passagem tinha o número 4276. Apresentando essa passagem, com esse número apenas conseguiu ele fazer despachar a mala, sem ser necessário prestar à estrada outros esclarecimentos. Era um passageiro e a mala o acompanhava.
Em Santos, José Pistone chamou o carregador n. 69, que se chama Lucas Corrêa, bem como o de n. 71, Albino Francisco de Oliveira, e os dois transportaram a mala para fora da estação, onde chamaram um caminhão, de n. 1549, que se dirigia ao cais. Nesse caminhão Pistone fez a viagem, sempre acompanhando a sua mala, sentado ao lado do chofer.
Quando chegou ao cais, puxou da sua carteira e tirou uma cédula de 50$000, que deu aos carregadores para trocarem e se pagarem do serviço efetuado. Em seguida, dirigiu-se a uma loja da Rua Xavier da Silveira, onde adquiriu certa quantidade de corda, com a qual amarrou a mala, de maneira a fazer uma laçada em forma de X.
Como até então o Massilia não houvesse ainda entrado, José Pistone sentou-se sobre a mala e nessa atitude permaneceu até que chegasse o vapor, em cujo porão fez depositar a mala, para o que, subindo só ao navio, lá contratou três indivíduos de nacionalidade russa, aos quais encarregou dessa tarefa.



Dr. Carvalho Franco, delegado de Segurança Pessoal
Imagem: detalhe da página 9 do jornal paulistano Folha da Manhã, de 9 de outubro de 1928



No Rio a polícia procede a importante diligência  

A Agência Havas entregou-nos ontem, a propósito das diligências efetuadas no Rio de Janeiro pela polícia daquela capital com relação a esse hediondo crime, o seguinte telegrama:
RIO – O caso da mala misteriosa encontrada no porto de Santos, a bordo do vapor Massilia, que hoje chegou na Guanabara, produziu nesta capital a mais viva impressão.
A polícia e a reportagem dos grandes jornais puseram-se logo em grande atividade, procurando, uns e outros, desvendar o crime. Logo que atracou oMassilia e se tornou conhecido o achado macabro, as autoridades cariocas, tendo à frente o quarto delegado auxiliar, dr. Esposel Coutinho, tomaram as providências que lhes pareciam mais convenientes.
Assim é que foram detidos para indagações os passageiros romenos de nomes Estepinan Lizene, Amant Pnteleman, Armand Teramarin, Catharine Juckeliske; o marinheiro Flowey Delphonse e um casal que se destinava à Europa e que pretendia descer no rio, ele brasileiro, de 38 anos de idade, e de nome Francisco Ramos de Azevedo, e ela Blanche Hamard, de 40 anos, francesa.
Esse casal tornou-se suspeito à polícia por destinar-se a Bordéus, para onde também se destinava a mala macabra, e não haver dado explicações satisfatórias sobre o motivo que determinava a sua resolução, desembarcando no Rio.
Levado para a polícia também o casal, foram todos eles interrogados detidamente. Os romenos fizeram as seguintes declarações, que foram traduzidas por um intérprete:
"Um indivíduo moço ainda, bem vestido, muito claro e que parecis estrangeiro, estava acompanhado de uma mala à qual ligava especial atenção, falando com o chofer do auto transporte, em que viajara de S. Paulo para Santos, tendo combinado o preço do transporte da referida mala.
No porto, chegou-se ao motorista e mandou levar a mala para bordo. No navio, ao fazer o comissário a conferência da carga, achou a mais a mala com letreiro – "Ferrero Francesco" – e mandou que a levassem novamente para terra. Assim foi feito. Ao ser o volume colocado no cais, as pessoas que se achavam próximas começaram a sentir mau cheiro. "Esta mala leva carne apodrecida", teriam dito. Foi, então, dado ordens para se proceder a uma inspeção. Aberta a mala, dentro dela foi verificado um corpo de mulher, todo decapitado e com as pernas partidas. Dado o alarme, a polícia foi chamada, mas, quando compareceu, já o Massilia iasaindo".
A família de romenos foi depois desembaraçada pela polícia, tendo continuado a viagem a bordo do Massilia. As autoridades cariocas que procedem ao inquérito estão convencidas de que os romenos falaram a verdade e consentiram em permitir que a mala misteriosa fosse, com sua bagagem, por lhes serem dado uma gratificação em Santos e lhes garantirem que, em Bordéus, encontrariam a pessoa a quem entregassem aquele volume.
O marinheiro Flowy também foi libertado, voltando a bordo do seu navio, à tarde. Ele disse aos jornalistas, que o procuravam ouvir, o seguinte:
"Começava a entrada de bagagens par o porão – falou Flowy – quando, ao subir uma das lingadas, dela se desprendeu uma grande mala que foi bater no fundo do navio. É sempre mau presságio arrebentar a lingada, para nós outros, homens do mar. Quando não é contrabando, traz sempre um dia de azar a bordo. E continuou: - a mala era de grande resistência, estava cuidadosamente fechada com todas as presilhas de ferro mas, apesar disso, tinha em volta uma corda que firmava bem a sua tampa. Ao aproximar-me, senti, no entanto, um cheiro insuportável. Examinei-a, então, detidamente, e vi que de uma fresta, aberta com a violência da queda, escapava um líquido escuro. E era daí que se exalava o mau cheiro.
- E depois?
- A resposta é sabida – respondeu o marinheiro.
Flowy tinha pressa de regressar a bordo, livre já dos incômodos que lhe dera a polícia. Não disse mais nada.
A bordo do Massilia apurou a polícia o que se sucedeu a isso. O navio estava prestes a largar o cais. Daí o desembarque rápido da mala e as diligências apressadas a bordo, não sabendo desde logo a polícia paulista se a mala fora embarcada entre a bagagem dos romenos já aludidos em nossa notícia.
O comandante Charmesson, do Massilia, havia constatado que Ferrero Francesco, nome que se via na etiqueta da bagagem, não era passageiro de bordo.
Encontrava-se já em viagem o Massilia quando a polícia de Santos, nas diligências procedidas em seguida, havia detido o carregador n. 71, das Docas de Santos, chegando, efetivamente, à conclusão de que a mala fora para bordo no meio da bagagem da família romena.
O comandante do navio também foi ouvido pela reportagem, confirmando o depoimento do marinheiro Flowy.
O Massilia largou deste porto ao meio dia.
O casal suspeito que se dirigia a Bordéus e que desembarcou no Rio, composto do brasileiro Ramos de Azevedo e da francesa Blanche Hamard, foi posto em liberdade.


Imagem: página 7 do jornal paulistano O Estado de São Paulo, de 9 de outubro de 1928


A emocionante tragédia da Rua Conceição

Pormenores sobre a descoberta e prisão do homem que pretendeu embarcar, para Bordéus, uma pesada mala com o cadáver mutilado da esposa - O criminoso, abatido pela insônia e tomado de excitação nervosa, não pôde ser interrogado ontem - Uma entrevista obtida no local do crime e que fixa novos detalhes da tragédia - várias apreensões efetuadas pela polícia - As provas coligidas contra o indiciado
Continua a empolgar o espírito público a horripilante tragédia de que foi teatro um quarto do apartamento n. 5, 3º andar do prédio n. 34 da Rua da Conceição. É e continua sendo o objeto obrigatório de todas as palestras. A ferocidade de que deu mostras o criminoso, as diligências concatenadas e rápidas da polícia, deram uma feição impressionante ao sangrento drama.
O dia de ontem decorreu calmo para o criminoso, que não está em estado de ser interrogado. Passou noites sem dormir, numa grande depressão nervosa. Velou durante toda a noite de ontem e, no correr do dia, ao ser interrogado pelo dr. Carvalho Franco, verificou aquela autoridade ser impossível obter mais informações. Por conselho médico, foi José Pistone removido para o xadrez. Receitaram-lhe um calmante. Depois que tenha dormido e repousado, será novamente interrogado.
Foram, porém, efetuadas várias diligências pela delegacia de Segurança Pessoal. Numerosas testemunhas prestaram depoimentos, tendo sido reconhecidas peças de roupas, de uso da vítima.

Vistoria no local do crime 

Funcionários do Laboratório de Técnica Policial, o dr. Carvalho Franco e o delegado regional de Santos, dr. Armando Ferreira da Rosa, ontem, às 14 horas e 10 minutos, dirigiram-se ao local do crime, no prédio da Rua da Conceição n. 34.
Tudo foi cuidadosamente examinado pelos funcionários do Laboratório e por aquelas autoridades. Foram observadas apenas ligeiras manchas no chão, não se podendo, porém, precisar a sua causa.
O inquilino do apartamento não estava presente; sua esposa, porém, d. Maria Sitrangulo de Oliveira, atendeu às autoridades, indicando a posição em que tinham sido colocados os móveis pelo casal Pistone.
O quarto foi medido e examinado em todos os sentidos, paredes e soalho, e arrecadados pela polícia alguns objetos, que ficaram no quarto e que tinham sido recolhidos pela dona do apartamento.
O quarto em que habitava o casal Pistone tem duas portas e uma janela, que dá para uma área interna. Uma das portas, que dá para o corredor da entrada, era a de que se serviam os Pistone, e a outra estava sempre fechada, tendo um guarda-vestidos em frente.
É essa uma circunstância que vem depor contra o assassino. No seu primeiro interrogatório na polícia, declarou que o amante de sua esposa tinha saído e indicou essa saída – justamente a porta vedada pelo móvel.
Portanto, a alegação de que eliminou a esposa porque do quarto dela saíra um homem, que tomou por seu amante,  torna-se muito suspeita à vista da indicação dada sobre o caminho tomado por ele para se esquivar diante de sua legítima cólera.

Regresso da caravana  

Depois de levantado o local, o fotógrafo do Gabinete bateu várias chapas, do quarto e do prédio em que se desenrolou o crime.
A moradora do apartamento prestou todas as informações de que a polícia necessitava, narrando novamente tudo o que percebeu, ela e uma sua filhinha de 11 anos de idade, após o crime.
Realizadas essas diligências, a caravana policial regressou para o Gabinete de Investigações, levando uma lata grande, de biscoitos, dentro da qual estavam alguns prendedores para roupa lavada, uma tesourinha, algumas pérolas fantasia de um colar e um compêndio de música.
Essas pérolas fantasias, desde logo, despertaram a atenção dos funcionários da Técnica Policial, porque sobre o cadáver foi visto e arrecadado, no necrotério do Saboó, em Santos, um colar de pérolas idêntico.
Esses objetos foram remetidos pelo dr. Carvalho Franco para o Laboratório de Técnica Policial, a fim de serem submetidos a exame.

Os inquilinos do apartamento e os sublocatários 

A reportagem d'O Estado de S. Paulo, para bem informar os nossos leitores, entrevistou, no correr das diligências realizadas pela polícia no apartamento, a senhora Maria Sitrangulo de Oliveira.
Visivelmente impressionada, ao ser interrogada pelo nosso representante, narrou detalhadamente o que lhe foi dado ver.
Suas declarações são importantes porque vêm firmar alguns pontos, ignorados ou obscuros até agora.
O quarto – disse-nos aquela senhora – tinha sido alugado por 100$000 mensais e hoje faz precisamente um mês que para aqui se mudou o casal Pistone.
Eram muito unidos e pareciam adorar-se. Ao regressar ele do serviço, às 17 horas e tanto, Maria Féa Mercedes ia esperá-lo à porta do prédio.
- Viviam tão agarradinhos que minha filhinha Mimi, menina muito viva, dizia: "que gente mais enjoada". Ele chegava, abraçava Maria, beijava-a e entravam. Conversavam animadamente, às vezes brigavam, alteravam-se, mas daí a momentos, saíam para jantar ou para o teatro.
Levavam vida muito retraída. Quando ele saía após o almoço, ela entrava para o quarto e passava o dia inteiro trancada no aposento. Não recebia visitas. Uma única vez, quando Maria Fea Mercedes se achava doente, aqui esteve uma senhora em visita.
Seu marido estava presente e essa visita, era a esposa de Francisco Pistone, aparentado com eles e em cuja casa estava trabalhando José Pistone. Nunca homem algum esteve aqui, nunca vi e afirmo isso porque poucas vezes me afasto de casa, e quando o faço é apenas por alguns minutos.

No dia do crime  

Na semana atrasada, não me lembro em que dia – continuou a senhora Maria Sitrangulo – tiveram forte discussão. Ela chorou e ele falou por muito tempo em tom alterado. Apesar de rodar o quarto, incomodada com aquela cena, não me foi possível entender coisa alguma.
As brigas entre eles eram frequentes porém, passada a tempestade saíam juntos, mais amigos do que nunca. Assim decorreu a vida do casal até quinta-feira última.
Nesse dia, logo pela manhã, ele saiu para o serviço em casa de Francisco Pistone, onde, aliás, não era assíduo, trabalhando alguns dias e falhando outros, como depois vim a saber.
Ao regressar José Pistone para o quarto, às 12 horas mais ou menos, eu estava em casa com a minha filhinha menor, de quatro anos – que ali está, disse a nossa informante chamando para si uma menina.
Eu lavava a louça suja, do almoço, quando ouvi que o casal estava discutindo novamente, com desusada violência. Cheguei-me novamente para o corredor para ver do que se tratava. Passei em frente ao quarto deles, mas nada pude entender do que falavam. A discussão era em tom violento. Ela chorou, que ouvi. Subitamente, em tom baixo, falava o homem. Dois gritos abafados, porém distintos, arrepiaram-me o cabelo, qualquer coisa rolou no quarto, provavelmente a mesinha de centro que eles tinham.

O início do mistério  

O barulho da queda do objeto no quarto dos inquilinos, os gritos abafados, verdadeiros estertores, e o súbito silêncio que se seguiu à violenta discussão, arrepiaram-me os cabelos. Voltei para a cozinha. Vergavam-me as pernas. Sentei-me na cadeira e assim estive por muito tempo.
A curiosidade, porém, impeliu-me quando ouvi barulho de José Pistone, que se retirava. Postei-me no corredor, à sua passagem.
- Como está sua senhora? Indaguei de José Pistone.
- Muito nervosa, porém, nada de grave. À noite levá-la-ei a um teatro e tudo estará passado. Até logo. E saiu.
O quarto permaneceu trancado e nada turbou, durante o resto do dia, o seu silêncio.
Comuniquei o fato ao meu marido Ramiro Franco, que me sossegou, dizendo que, provavelmente, eles estavam envergonhados com a cena que tinham promovido no quarto e que por isso evitavam de aparecer.
Todavia, sentia-me mal, apesar das observações do meu marido. Minhas filhinhas, a Mimi e esta pequena, também permaneciam desassossegadas. Pairava qualquer coisa em nossa casa…
À noite, às 19 horas mais ou menos, José Pistone entrou como de costume. Cumprimentou-me com afabilidade e, abrindo o quarto, entrou, fechando-se.
Daí a minutos, saiu e tornei a perguntar-lhe pela esposa.
Ele disse-me que ela continuava doente, nervosa e que por isso a levaria para uma casa, na Barra Funda, para onde se mudariam.
A sua sogra, mãe de Maria Féa Mercedes, devia chegar pelo Massilia e iriam morar todos juntos.
Tirou então uma cédula de 200$000 para pagar o aluguel do quarto. Eu fui buscar o troco e, ao devolver-lhe 150$000, ele admirou-se. Foi-me preciso explicar que sua esposa, dias antes, me dera, por conta do aluguel, 50$000.

Os passos do criminoso  

Ele saiu e fiquei remoendo as minhas desconfianças – continuava dizendo a nossa interlocutora. Era, pois, possível que ele ignorasse que sua mulher me tinha entregue 50$000?
José Pistone passou a noite fora de casa.
Esses fatos todos se deram na quinta-feira.
Na sexta-feira, logo pela manhã, José Pistone voltou para o quarto. Era acompanhado por uma mala, cuja cor não fixei, tendo, todavia, a certeza de que não é a que se encontra no Gabinete de Investigações e que serviu de esquife para Maria Féa Mercedes. A mala do crime veio depois.
José Pistone pouco se demorou no quarto, e daí a uma meia hora, quando saiu, levou consigo duas malas, uma que eles tinham quando para aqui se mudaram e a outra que ele tinha comprado nesse dia.
Logo que ele chegou, perguntei-lhe:
- Vai viajar?
- Não, é para arrumar roupa. Como a senhora sabe, vamos nos mudar para a Barra Funda, para onde levei minha mulher, que já está arranjando a casa. Assim que minha sogra chegue, levá-la-ei para lá e vamos viver todos juntos.
O pressentimento continuava a perseguir-me tenazmente. Eu ia saindo no momento para comprar gêneros de que precisava em casa. Não sei o que me deu. Não queria sequer esperar o troco, queria voltar imediatamente para casa, onde ficara a minha filhinha Mimi. Demorei-me 10 minutos, se tanto. Quando voltei, José Pistone já tinha ido embora e Mimi me disse que ele levara as duas malas. O homem do elevador e porteiro da casa, Francisco José Pereira, viu quando ele se retirou com as malas.
Nesse dia entrou aqui, durante a tarde, a mala bege que ia servir de caixão mortuário. Eu não vi chegar; porém, o porteiro viu.

Espelho indiscreto  

José Pistone esteve à tarde no quarto e foi ele quem recebeu a mala sinistra.
Escute: a Mimi, minha filhinha que tem 11 anos, estava constantemente rondando o quarto e viu a mala. O quarto dele estava, não sei como, com a porta entreaberta. Pistone, talvez num estado de excitação nervosa terrível, não notou esse pormenor. O espelho do porta-chapéus, como o senhor vê, fica em frente à porta do quarto e reflete, portanto, o que ali se passa, se o aposento estiver com a porta aberta. Pois bem, a Mimi, chegando-se para o espelho, viu o seguinte: Pistone estava curvado para a mala bege e com as mãos forçava, empurrava qualquer coisa para acomodá-la. A tampa da mala não deixava ver o que era que ele tanto empurrava na mala.
Saiu novamente o criminoso e voltou no dia seguinte. Retirou a mala bege sem que eu visse e foi para a estação. Daí a minutos voltava, porém, acompanhado de um russo, baixo, gordo e com um defeito na vista. O homem vinha ver os móveis. Achei estranho que um homem, que acabava de montar casa e que se dizia rico, vendesse seus móveis.

O quarto vazio e abandonado  

A mala bege já não estava no quarto. O russo entrou e começou a avaliar os móveis. A dúvida continuava a atormentar meu espírito.
- O senhor que acaba de montar casa, vai vender seus móveis? Indaguei dele, ansiosa.
- Não, senhora. Não estou vendendo os móveis. Estou avaliando porque necessito comprar outros para a casa.
Dei-me por satisfeita e retirei-me. Isto, no sábado pela manhã. Vieram carroças ou caminhões – não sei ao certo – e fez-se a mudança. Ele tinha quatro latas de sardinha no quarto. Chamou-me e disse-me que estava de mudança e que por isso, se eu apreciava sardinhas, teria imenso prazer em dar-me aquelas latas.
Aceitei e as latas estão ali.
Retirado tudo, ficou no quarto alguma lã do travesseiro, uma lata de biscoitos vazia, alguns pregadores de roupa lavada, papéis rasgados e miudezas. Varri o quarto e arrecadei os objetos que pareciam aproveitáveis para entregá-los a Pistone, mais tarde, porque antes dele sair me disse que, dentro de alguns dias, assim que sua sogra chegasse e tivesse terminado a sua instalação, viria visitá-la acompanhado de sua esposa e sogra.
Pedindo desculpas por alguma falta involuntariamente cometida, retirou-se.
Ao ver as fotografias nos jornais, tive imediatamente quase certeza do que se desenrolara nesta casa e procurei a polícia, acompanhada do meu marido.
A polícia veio até aqui e o resto o senhor já sabe – terminou a senhora Sitrangulo.

Algumas notas  

Essas declarações da moradora daquele apartamento são, como se pode ver claramente, de grande valor. Um ponto é muito bem fixado, o qual está em desacordo com as declarações de José Pistone. É quanto ao tempo em que ali residia o casal. Aquela senhora diz claramente que hoje faz um mês que eles tomaram o aposento, em desacordo com o que afirma Pistone, dizendo estar em São Paulo há 36 dias, tendo residido quase um mês no Hotel do Oeste. Porém, esse ponto é de fácil elucidação. Basta, para isso, uma consulta ao registro de hóspedes daquele hotel.
É necessário frisar que José Pistone despachou a mala para Santos logo pela manhã, no trem das 8 horas e 10 minutos. Somente à tarde é que seguiu para aquele porto, às 18 horas e 50.
Durante a primeira noite em que teve o cadáver no quarto, Pistone vagou sem destino pelas ruas. Na segunda noite, pernoitou na chamada pensão Grasso, à Rua Ipiranga, 30. Seguiu para Santos. Naquela cidade, hospedou-se no hotel Roma. Descoberto o crime, coisa de que estava inteirado, passou a noite de domingo para segunda-feira vagando pelo cais e praias, vindo para São Paulo, onde foi preso à tarde.

Uma navalha quebrada  

A polícia, logo que estabeleceu a identidade do criminoso José Pistone, e assim que apurou ter ele vendido os seus móveis ao russo Max Tablow, à Rua Santa Ifigência, 90-A, arrecadou-os para exame.
Numa das gavetas do guarda-vestidos foi encontrada uma navalha, quebrada, sem vestígios de sangue. Levada para o Gabinete de Investigações e apresentada ao criminoso, ele reconheceu a arma, dizendo que foi com esse instrumento que seccionou as articulações da coxa. Depois de acondicionado o cadáver na mala, lavou-a cuidadosamente, motivo pelo qual não apresenta vestígios de sangue.
Soube também a polícia que, dentro dos móveis comprados a Pistone, tinham sido encontrados trapos, papéis velhos, rasgados, e outras coisas. Os empregados da casa de móveis de Max Tablow limparam os móveis e lançaram ao lixo esses objetos imprestáveis.
Foi aí que a polícia encontrou a prova decisiva, esmagadora, que revela perfeitamente a calma com que agiu o criminoso.
A lata de lixo foi levada para o Laboratório de Técnica Policial e examinado seu conteúdo.
Antes, porém, tinha sido examinado o colchão da cama do casal, não sendo encontrado o menor vestígio de sangue, assim como nos móveis comprados pelo negociante russo.
A prova decisiva estava na lata de lixo.

Provas esmagadoras  

Esvaziada a lata de lixo no Laboratório de Técnica Policial, foi o conteúdo examinado cuidadosamente.
Foram encontrados então alguns pedaços de uma corda fina, igual à que amarrava a mala sinistra. Esses pedaços apresentavam vestígios de sangue.
A prova completa, porém, da ferocidade de José Pistone, não tardou a aparecer.
Conforme estão lembrados os nossos leitores, quando se procedeu à autópsia do cadáver da vítima, no necrotério do Saboó, a camisa que estava sobre o corpo tinha cortado um lugar – onde possivelmente havia um monograma. Pois bem, esse pedaço arrancado da camisa achava-se no lixo. Tinha claras, muito bem bordadas, as iniciais da vítima "M. F.". Essa descoberta alvoroçou o pessoal do Laboratório. Correram à busca da camisa, ali depositada para o exame, e verificavam que se adaptava perfeitamente ao buraco ali deixado, assim como que o pano era idêntico. A prova estava pois completa, dispensando por assim dizer as outras, colhidas tão laboriosamente pela polícia, em sucessivas diligências.

A prisão do criminoso  

Mais alguns pormenores adiantamos, hoje, aos nossos leitores, sobre a prisão de José Pistone.
Conforme noticiamos, Pistone desceu, no Largo da Sé, do automóvel que o trouxe de Santos, guiado pelo chofer Gil Gloria.
Seus passos então não são conhecidos por enquanto, por não poder o criminoso, devido ao estado dos seus nervos, prestar esclarecimentos à polícia. Todavia, sabe-se que, pouco antes de ser preso, Pistone esteve no bar "Milanez", à Avenida São João, 153-A. Ali abandonou um pacote com impressos, os quais foram entregues à polícia. Esses impressos, que são faturas, têm os seguintes dizeres: "Pistone Carlo – negoziante – Canelli – Solfato di Rame – Oli – Salumi – Solfi – Granagile – Commestibili – Foraggi".
Como se sabe, Carlos Pistone é o nome do pai do criminoso, que, nesta capital, se dizia representante daqueles produtos com que seu progenitor negociava na Itália.
Daí, dirigiu-se, provavelmente, para a casa de Grasso, à Rua Ipiranga, 30, onde se encontrou com João Iéco, morador à Rua Conselheiro Nébias, 66, com Grasso, o proprietário da casa e com o filho deste, Eugenio Grasso.
Esses homens comentavam justamente o "caso da mala". Momentos antes, por Francisco Pistone, parente do criminoso, souberam que ele tinha sido intimado a comparecer à polícia, que estava na pista de José Pistone, acusado de ser o autor do crime.

Confissão do crime  

Esses homens contaram a Pistone que ele estava sendo acusado de ser o autor do crime.
- Isso não tem importância, porque a minha mulher está sossegadamente em casa, na Barra Funda.
- Vá então à polícia contar isso, porque senão eles te prendem na rua, quando menos o esperares.
Ele então saiu em companhia de João Iéco, para ir buscar sua mulher e ir à polícia. Tomaram um bonde da linha Barra Funda, e depois de inúmeras voltas, Iéco, cansado já de não ver a casa de José Pistone, interpelou-o novamente. Pistone então confessou que de fato era o autor do crime. O bonde passava então pela Rua José Roberto.
Voltaram os dois para a casa de Grasso, onde Iéco os pôs ao par da confissão. Aconselharam então a Pistone que se apresentasse à polícia, obtendo a resposta de que ele não faria isso e que ia suicidar-se.
Tentaram demovê-lo, aconselhando que procurasse um advogado, e com esse pretexto meteram-no num automóvel, com a intenção de o levarem para o Gabinete de Investigações.
Quando o motor se punha em movimento, outro automóvel se encostou ao dele e um homem disse a Pistone que tinha chegado uma carta para ele. Era Aldo Penone, residente à Rua Barra Funda n. 88, o qual estava acompanhado de inspetores de polícia, que detiveram o criminoso.
Aldo Penone, que é filho de Pio Penone, fabricante de vinhos, residente em Canelli, província de Alessandria, na Itália, conheceu Pistone, que é natural da mesma cidade, há poucos dias, quando ele ainda estava procurando casa para mudar-se.
Pistone, que se apresentara em sua casa, acompanhado da esposa, pediu permissão para determinar que sua correspondência fosse endereçada para a casa de Aldo, por estar ele em vésperas de mudar-se. Aldo acedeu e, segunda-feira última, ao meio dia, recebeu uma carta da Argentina, endereçada a Maria e José Pistone.
Quando os inspetores foram procurá-lo, por indicação de Francisco Pistone, que sabia que a correspondência de José devia ir para sua casa, Aldo disse que o homem que a polícia seguia estava em casa de Grasso, para onde se transportou em sua companhia.

As declarações tomadas ontem  

No correr do dia de ontem a polícia tomou declarações de várias pessoas, sendo também lavrados autos de reconhecimento de roupas, do criminoso etc.
João Iéco, Eugenio Grasso e Pedro Grasso prestaram depoimento. O proprietário da fábrica de malas, Domingos Mascigrande, estabelecido à Avenida São João, 111, também foi ouvido. O balanceiro da estação da Luz e o despachante fizeram suas declarações, que foram tomadas por termo.
O negociante Max Tablow, que adquiriu os móveis de José Pistone pela quantia de 370$000 e que lhe custaram 850$000, também foi chamado para prestar esclarecimentos, e as suas declarações constam do inquérito.
Francisco José Pereira, porteiro do prédio da Rua da conceição, 34, onde se deu o crime, Ramiro Franco e sua esposa d. Maria Sitrangulo de Oliveira, locatários do apartamento, foram ouvidos pelo dr. Carvalho Franco. Aquela senhora reconheceu algumas peças de roupas de uso da vítima, entre elas um quimono de uso caseiro, camisas que cobriam o cadáver etc.
Francisco Pistone, estabelecido à Rua da Conceição, 58, prestou declarações de que damos resumo. Disse que há 15 dias se apresentou em sua casa, declarando-lhe ser seu parente. Recebeu-o bem e arranjou-lhe o quarto do apartamento n. 5 do 3º andar a Rua Conceição, 34, e deu-lhe ainda um emprego em sua casa.
Pistone declarou-lhe que possuía 18.000 liras, pedindo-lhe que as guardasse. Dias depois, disse que eram apenas 16.000 liras e finalmente trouxe apenas 12.000 liras, que ficaram depositadas em nome de sua mulher.
Declarou mais outros pormenores, que já consignamos. Apenas destacamos essa parte, quanto ao dinheiro, para referir-nos à suposição corrente nos meios policiais de que Maria Féa Mercedes foi assassinada por causa de 3.000 liras que desapareceram, das 15.000 que possuía o casal. Não se sabe, porém, se esse dinheiro pertencia a Maria ou a José Pistone.
O criminoso deve pertencer a família abastada, porque, segundo declarou, mandou pedir à sua progenitora, na Itália, 160.000 liras, de que precisava para tornar-se sócio de Francisco Pistone. Esse pedido foi recusado.
Outra coisa corrente nos meios policiais, quanto ao crime, é que acreditam as autoridades ter-se verificado o esganamento quando Maria Féa estava deitada. Ela foi estrangulada sobre a cama, é o que pensam a locatária do apartamento, segundo declarou à nossa reportagem, e o dr. Carvalho Franco.
Prosseguem as diligências sobre o caso, e hoje deverão ser ouvidas novas testemunhas.

Repercussão no Rio de Janeiro

Rio, 9 (A.B.) - O caso do assassínio de Maria Féa Mercedes continua impressionando vivamente a população. Os jornais publicam pormenorizadas notícias sobre essa tragédia, bem como farta documentação fotográfica.

Rio, 9 (H.) – Os jornais continuam ocupando-se do crime da mala. Alguns deles enviaram a essa capital fotógrafos e repórteres, que estão mandando minuciosas informações sobre o trágico sucesso. O público se interessa extraordinariamente pelo acontecimento, seguindo, com avidez, a marcha dos trabalhos da polícia paulista. Esta é geralmente elogiada pela rapidez com que agiu no caso, descobrindo o criminoso e prendendo-o logo em seguida.
A figura de Maria Féa desperta uma comovida piedade e há, em torno do conhecimento de sua fotografia, grande curiosidade.

Na edição do dia 30 de outubro de 1928, o mesmo jornal O Estado de São Pauloregistrou, na página 10 (Acervo Digital Estadão) - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: página 10 do jornal paulistano O Estado de São Paulo, de 30 de outubro de 1928

O crime da mala

Missa por alma de Maria Féa Pistone – As 12.000 liras pertencentes ao casal – Novas informações sobre o criminoso José Pistone
Conforme noticiamos, realizou-se ontem, pela manhã na Capela de Santa Cruz dos Enforcados, no Largo da Liberdade, uma missa de requiem por alma de Maria Féa Pistone, barbaramente assassinada por seu marido José Pistone.
A igreja ficou repleta de povo, acotovelando-se, no largo fronteiro àquele templo, grande multidão, curiosa por ver os irmãos da malograda vítima, José e Esther Féa, que compareceram ao piedoso ato.
Foi necessária a intervenção da guarda-civil para que se dispersasse a multidão.
Francisco Pistone, em cuja casa comercial, poucos dias antes do crime, fora efetuado um depósito de 12.000 liras, a favor de Maria Féa Pistone, por seu marido José Pistone, vai requerer ao juiz dos ausentes permissão para depositar aquela quantia.
Novas informações sobre a vida de José Pistone chegam da Itália. De nosso serviço telegráfico, destacamos o seguinte despacho que dá conta dos passos do assassino, quando em sua terra natal, Canelli, na Itália.
Rio, 29 (H.) – O jornal A Noite publica a seguinte correspondência telegráfica, que recebeu de Canelli, a aldeia natal do matador de Maria Féa.
Canelli – Em cumprimento às instruções recebidas da direção da A Noite, vim a Canelli, a aldeia natal de José Pistone, o uxoricida de São Paulo, em busca de informes sobre o seu passado.
José Pistone nasceu aqui em 1897. São seus pais: Pistone Carlo e Boeri Marcellina, abastados agricultores.
Pouco interessante foi a sua vida até o dia em que embarcou para a América. Fez com a regularidade precisa o serviço militar e tomou parte na grande guerra. Foi um temperamento retraído, nada expansivo.
Há cerca de 3 anos quis emigrar, para tentar fortuna na Argentina, voltando há meses para satisfazer a umas tantas formalidades do inventário, por morte do pai, e para entrar na posse da sua parte na herança. Veio então acompanhado da graciosa Maria Féa, com quem se casara em Buenos Aires, demorando-se pouco tempo em Canelli, regressando logo o casal para a Argentina. Durante essa curta permanência entre os seus, José Pistone foi muito sóbrio em informações e explicações sobre a sua vida, especialmente em relação ao casamento. Todavia, ao despedir-se da sua velha mãe, o fez com muito afeto e deixando crer que partia para a felicidade familiar e econômica.
As suas cartas de Buenos Aires e de São Paulo para a família caracterizavam-se pela falta de pormenores e particularidades sobre o viver do casal. Eram poucas, e mesmo sem interesse, nas quais nada demonstrava ou fazia supor que José Pistone tivesse adotado métodos de vida diversos dos que seguira até a sua saída da aldeia natal, onde, como as próprias autoridades reconhecem, sempre teve boa conduta.
Seu casamento causou estupefação aos parentes e aos conhecidos, mormente feito com a precipitação com que o foi, porquanto José, várias vezes, se mostrou, aqui, avesso ao matrimônio, recusando ligar-se às conterrâneas co as quais teria feito ligação conveniente sobre todos os sentidos.
A notícia do uxoricídio caiu aqui como um fato impossível. A impressão geral é que o crime foi devido à explosão passional do temperamento meditabundo e desconfiado de José Pistone e nem todos julgam possível que houvesse a premeditação do crime, como também excluem a sua participação em outros delitos, como se anuncia agora, dados os antecedentes do matador de Maria Féa.
A crença aqui dominante é que José Pistone se tenha tornado uma vítima de eventuais desvios resultantes da vida vagabunda, em contato com elementos heterogêneos, que levava ultimamente e a que não estava habituado.
Quanto a Maria Féa, durante a sua breve permanência em Canelli, deixou simpática impressão, ignorando-se os seus precedentes matrimoniais e o seu verdadeiro caráter.

O jornal paulistano Notícias Populares contou assim os detalhes do crime, em matéria de página inteira publicada no dia 14 de novembro de 1977:

Chamada para a matéria, na primeira página de Notícias Populares,
reproduz jornal da época do crime

São Paulo, 1928
Um crime de meio século

Por Armando Stelluto Júnior
Completou-se dias atrás quase meio século do talvez mais bárbaro crime de que se tem notícia da época em que mal se falava em polícia ou mesmo em violências corriqueiras na comunidade paulistana, quanto mais em assassinatos.
Em outubro de 1928, a tranqüila São Paulo era sacudida ante a execução de uma loira de 21 anos, grávida de meses, abatida pelo marido e depois mutilada e colocada numa enorme mala de couro, com fecho americano. Essa misteriosa mala faria uma longa viagem pelo Atlântico, não fosse a descoberta no porto de Santos. A estranha carga tinha um destino: Bordeaux, na França.
Antes desse, talvez dois anos para trás (N.E.: na verdade, em setembro de 1908), a cidade tinha experimentado o impacto de outro caso muito parecido: um sírio, de nome Miguel Trade, esquartejara e colocara os despojos de uma mulher, também numa grande mala. Sobre isso sabe-se pouco, mas o bastante para se ter a certeza de que Trade foi expulso daqui pra nunca mais voltar.
A tragédia de 4 de outubro de 1928 "é digna de um monstro de sanha incontrolável", destacava a imprensa local da época. Na verdade, até a polícia deixara claro seus temores, pois mal saíra do caso Miguel Trade e já mergulhava numa investigação complicada, desafiadora até. Ninguém sabia nada e as especulações eram a melhor forma de se conjeturar sobre tudo e todos. Mas, mesmo assim, fazia-se o trabalho de pesquisas incansavelmente, com a ajuda decisiva de jornalistas, os quais proporcionavam, sem dúvida, importantes subsídios aos serviços de investigações oficiais.
A todo instante a população queria saber detalhes do segundo grande crime praticado em São Paulo, seguindo o estilo do primeiro. Nos bares, cafés, restaurantes e passeios públicos, a conversa, durante muitos dias, girou sobre um só assunto: o crime da mala. Aos domingos, quando da tradicional macarronada dos italianos, famílias inteiras dedicavam-se ao assunto com interesse incomum, mas não estranho: a vítima era italiana e o assassino tudo indicava fosse também da mesma nacionalidade.
A história da crônica policial conta esse assassinato como o mais expressivo já ocorrido no Brasil, pela repercussão que teve na época. Muito embora classifique o crime de Miguel Trade como um dos mais bárbaros. Depois desses vieram outros semelhantes, mas não exatamente iguais e muito menos sensacionais. Para classificar esses fatos como mais ou menos importantes nesse campo, são levadas em conta a importância e a receptividade dadas pelo público. Daí terem ocorrido assassinatos até mais frios (como o de uma empregada doméstica que deu à luz e retalhou o bebê em mais de dez pedaços, usando um canivete que não tinha mais de quatro dedos de lâmina - isso foi em 1971, no Bom Retiro), mas sem expressão histórica.
A notícia vem do porto. Na mala, uma mulher mutilada - A divulgação de uma notícia, de que no porto de Santos uma grande mala de couro fora descoberta com o corpo de uma mulher dentro, explodia como uma bomba em todo o Planalto, depois de correr de boca em boca na região portuária. Ao ser içada para bordo do vapor Massília, que seguiria para a Europa, a carga deixava escorrer um líquido escuro e exalava cheiro insuportável. No momento em que a embarcação levantava âncoras, a Polícia Marítima decidiu averiguar. Foi uma correria sem tamanho. A imprensa se apressou e logo passou a investigar, mesmo antes da polícia. Imediatamente pensava-se em Miguel Trade, autor de crime parecido em 1926. Mas não era nada disso. O nome agora era José Pistone, 31 anos, casado, natural de Canelli, na Itália). A vítima, sua esposa, Maria Féa Mercedes (21 anos).
Dentro da mala, além dos despojos de Féa Mercedes, foram achados também pedaços de papel que forravam a base do baú, uma caixinha de pó de arroz Coty, vidro com pastilhas para garganta, seringa, vidro de extrato, cobertor de lã, lençol de linho, travesseiro sem fronha, almofada verde, retalhos de tecidos e peças de roupa. O corpo tinha um colete de lã sobre o busto e camiseta de tricô, meias de seda presas por ligas de elástico, sem enfeites. E o que mais revoltou: junto do corpo, um minúsculo cadáver. Quando abatida, a vítima estava grávida de seis meses e o bebê nascera dentro da mala, confirmaria mais tarde o médico Rebello Netto. Ele mesmo diria, antes do sepultamento feito no cemitério do Saboó (esse cemitério existe até hoje em Santos e na sepultura todos os anos milhares de pessoas depositam suas esperanças em milagres, conforme criou a crença popular), que Maria Féa fora estrangulada e depois mutilada.
Imediatamente, o comandante do navio, que pertencia à Cia. Chargeurs Reunis, avisou o delegado regional de Santos e este, sem os recursos que a polícia tem hoje, iniciou as investigações, auxiliado pelo então "Gabinete de Investigações" sediado na Capital, uma espécie do atual Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), que assessora todas as delegacias do Estado.
É claro que a polícia estava às tontas. Senhores de gravata e ternos impecáveis, sapatos lustrosos e cabelos bem aparados franziam a testa sob seus chapéus ante o escabroso caso. Os "agentes de segurança" se movimentavam como podiam, seguindo os princípios básicos e outros rudimentares, de investigação: perguntas e muita pressão por todos os lados. Isso era feito em Santos e São Paulo. E no Porto do Rio também, alguma coisa foi feita nesse sentido, chegando as autoridades até a deter marinheiros e turistas considerados suspeitos. Em Santos foi preso um português no dia da descoberta, por suspeita. Depois ele foi liberado.
Isso tudo aconteceu a 8 de outubro, isto é, 4 dias depois do crime.
Como em todos os casos dessa espécie, procurava-se saber primeiro onde a mala fora adquirida ou sua fabricação. O resto chegou com menos trabalho. Assim foi que se descobriu que a mesma tinha sido comprada numa fábrica da Avenida São João, no centro da Capital. Depois partiu-se para a identidade da vítima. Com essas informações, a polícia estava na pista certa, Maria Féa Mercedes teria sido morta pelo marido, José Pistone, na Rua da Conceição, 34, onde residiam numa sala alugada do apartamento número cinco do prédio de 3 andares.
Mas por quê, se ambos pareciam se dar tão bem? perguntavam-se os vizinhos.
A resposta para essa, como para muitas outras perguntas que quase toda a população fazia a toda hora, veio mesmo com a prisão de José Pistone.
Um estranho na cama. E aconteceu o crime - Por volta de 11h30 do dia 4 de outubro, Pistone voltava da Casa Canelli, onde trabalhava e guardava certa importância em dinheiro que trouxera da Itália, via Argentina (ele ficou um bom tempo nesse país com a esposa, para depois se fixar de uma vez no Brasil e tentar a sorte de que tanto falavam seus patrícios). Para levar a mulher ao almoço, como sempre, Pistone chegou descontraidamente. Até abrir a porta. Deu de cara com um estranho na cama com sua mulher. O desconhecido foi mais rápido que ele, sentando na sua frente.
Maria, sem que lhe fosse feita qualquer pergunta, gritava que nada tivera com aquele sujeito. Mas não explicava claramente o que ele fazia tão bem acomodado junto dela.
Foram poucas as palavras. José Pistone, o homem de quem muitos falavam bem pelo tratamento que dava à mulher, àquela altura grávida pela primeira vez, agarrou-a pelo pescoço e estrangulou-a.
Como em quase todos os crimes desse tipo, o assassino deixa o local e tenta falar com alguém de confiança, procurando uma solução imediata ou uma forma de se livrar do cadáver. Foi assim que Pistone relatou a um companheiro de trabalho (talvez até ao patrão, não se sabe ao certo) o que tinha feito. Entre eles não chegou a qualquer conclusão. Estava apavorado. Assim ficou, pelo menos dois dias.
Foi nesse desespero que Pistone comprou uma mala na Av. São João e mandou que fosse entregue em sua casa, para onde se dirigiu e pôs em prática seu plano. Ao chegar sua encomenda, recebeu-a na porta. A seguir, tentou colocar o corpo dentro.
Não coube. Então ele seccionou as pernas da morta na altura dos joelhos com uma navalha, até partir-se em meia lua na lâmina. Fechada e com o corpo bem acondicionado para seus propósitos, a mala foi logo levada a um caminhão para a estação da Luz e colocada num trem que ia para Santos. Ele foi junto.
No porto, alugou um caminhão Fiat 818 e transportou seu precioso volume até o cais, e lá providenciou o despacho para a França, com a inscrição: "Francisco Ferrero" (nome fictício, provavelmente, apenas para justificar a remessa). Antes disso, envolveu a caixa com muitos metros de uma forte corda. Durante todo esse tempo, vivia com os olhos pregados na mala, embora isso lhe custasse náuseas e ameaças de vômito, pois o cadáver entrava em decomposição e cheirava mal. Essa vigília e também o odor do volume despertaram as atenções.
Quando a mala era erguida para bordo do Massilia, Pistone retirou-se. Contratou um carro na praça José Bonifácio para levá-lo para São Paulo no dia seguinte, por 150 mil réis. Depois, pagaria 200 mil ("os cinquenta mil são para a gasolina", como diria ele ao motorista Gil da Glória, o "Leão").
Quando passavam por São Bernardo, pararam para um lanche no então Recreio e Café Expresso S. Bernardo. Nesse lugar, ele ficou sabendo que a polícia descobrira tudo e mudou de cor, deixando seu chofer preocupado, mas este jamais desconfiaria de sua pessoa, mesmo o tendo conhecido há poucas horas (hoje não seria nada disso, de jeito nenhum!). O criminoso pagou imediatamente a conta dos sanduíches e cerveja (17 mil réis), e tocaram a viagem. Já em São Paulo, o estranho passageiro de botinas amarelas, roupa azul marinho, chapéu cinzento e gravata borboleta no pescoço, ficou perto do Hotel D'Oeste, no largo São Bento. No dia seguinte seria preso.
Achado numa pensão. Ia se jogar no Tietê - Descoberta a loja que vendera a mala e também a identificação da mulher, a polícia caminhou a passos largos para a localização e conseqüente prisão do autor do segundo crime da mala no país. Ele foi achado na Pensão Grasso, que existia na Rua Ypiranga (hoje avenida), de onde pretendia pagar um automóvel e seguir até o Bom Retiro e de lá se jogar no rio Tietê, uma vez que para se afogar no mar, em Santos, não tivera coragem suficiente. Sem reagir, o italiano magro e alto, de olhos azuis e tido como doente tuberculoso quando trabalhava na Casa Canelli, também da Rua da Conceição, foi levado para o "Gabinete de Investigações", onde tentou justificar seu gesto.
Sobre a possibilidade de adultério praticado por "Mariucha", como era chamada sua esposa na colônia italiana, ele não esclareceu muito, apenas garantiu que ao chegar em casa no dia do crime, um homem pulou e sua cama e fugiu na sua frente.
No entanto, pelo que disse aos policiais em 1928, o assassinato poderia também estar ligado a dinheiro. As 15 mil liras que ele trouxera quando veio para o Brasil, teria dado para Maria Féa depositar numa casa bancária. Depois ele soube que lá só havia 12 mil, gerando daí séria discussão e o crime. (Féa Mercedes mandara 3 mil liras para seus parentes na Itália, em pagamento dos débitos contraídos pelo marido, quando de seu casamento em Sandria, naquele país).
No dia 1º de novembro, isto é, quase um mês depois do homicídio, Pistone deu entrada na Penitenciária do Estado, que era na Av. Tiradentes. Saiu não se sabe pra onde, para voltar dia 19 de março de 1938 e, em definitivo, a 10 de junho do mesmo ano. Ele morreu em 1969 em Taubaté, onde teria se casado pela segunda vez. Seu corpo está sepultado no cemitério da cadeia dessa cidade.
Irmãos de Mariucha falam do criminoso - Mesmo depois de preso, a família de Mariucha preocupou-se de certa forma em manter contato com as autoridades policiais brasileiras. Esther Féa e José Féa vieram da Argentina para traçar a personalidade do criminoso, que já na Itália mostrava seu caráter não muito respeitável.
Conforme ambos disseram aqui, depois de providenciarem um túmulo em mármore simples na sepultura de Mercedes no Saboó (mais tarde seus ossos seriam levados para a Argentina, onde estavam quase todos seus parentes), Pistone era um fascista e queria que todos o fossem em seu credo político; chegou a ser preso e condenado na província de Santa Fé, por vigarices. Ele passou bom tempo em Buenos Aires, onde não firmou o pé de jeito nenhum.
Navalha usada por Pistone no crime, e colocada na mala junto com o corpo de Maria Féa


MAIS QUATRO CRIMES DA MALA

Até hoje, pelo menos quatro assassinatos desse gênero se tornaram bastante conhecidos. No rio Pinheiros, em outubro de 1958, foram jogados os corpos de três chineses, cada um dentro de um baú (o milionário Lee Ching Tea, seu secretário Pei Tesu Chee, e Chen Hui Ming). Os criminosos: Lin Fo Shou, preso na Bolívia; Tony Shie, preso em Goiás; e o japonês Yuzo Arii, que até agora ninguém sabe dele). Na Casa Verde, em 1959 ou 60, a enfermeira Florinda Marques, auxiliada pelo amante Krikor Zentunian, usou um baú para transportar o corpo esquartejado de seu marido, o motorista de praça José Alves, morto com uma martelada na cabeça e depois jogado, aos pedaços, no rio Tietê, desde a Casa Verde até Santana do Parnaíba.
Mais dois aconteceram: um em Osasco, onde uma mala boiava no Tietê com o corpo de um menino; e outro no Estado do Piauí, que foi descoberto num ônibus de viagem, também de uma criança numa mala. Nestes dois últimos, a polícia fez pouco progresso nas investigações, pois até agora não se sabe com firmeza a identidade das vítimas, quanto mais de seus matadores.


O famoso Crime da Mala (5)

O caderno Aliás, do jornal paulistano O Estado de São Paulo relembrou assim o crime, relacionando-o com outro ocorrido dias antes no Rio de Janeiro, na página J8 da edição de domingo, 16 de maio de 2010 (Acervo Digital Estadão):


Imagem: página 18 do jornal paulistano O Estado de São Paulo, de 16 de maio de 2010

Santa Maria da mala
Italiana morta pelo marido virou mártir de um tipo de crime que desafia os séculos
Mônica Manir
Santos, SP
Dois serafins brancos anunciam, enfim, que é chegado o túmulo de Maria – mais precisamente Maria Mercedes Féa, que em vida nada tinha de feia. A moça de 21 anos, italiana de Canelli, ostentava graciosa opulência em seu 1,66 metro. Os cabelos amarelo-tostados eram cortados à la garçonne, no feitio dos anos 20. Sobre as mechas, chapéus Camille George. Sobre a cútis, pó de arroz Coty. Fazia oito meses que flanava no Brasil vinda de Buenos Aires, onde consumara casamento com um conterrâneo. Maria juntou sua primeira classe à segunda de Giuseppe Pistone ainda no navio que os levaria à capital argentina. Tempos depois, por um triz não voltaria ela para a  Europa, solla dentro de uma mala, desconjuntada e em estado de putrefação, ao lado de seus chapéus e estojos de maquiagem, vítima do marido assassino. Deselegantemente morta, virou santa do povo brasileiro. Santa Maria Féa, protetora do lar.
SINISTRO – O baú de madeira com o corpo de Maria Féa chegou a embarcar no navio Massilia, mas chamou a atenção pelo cheiro fétido
Foto: arquivo/AE, publicada na página 18 de O Estado de São Paulo, de 16/5/2010

Maria foi vítima do crime da mala mais famoso do País. Nem todo fiel sabe disso. Há quase 82 anos uma legião de avisados e desavisados ajeita crisântemos, casinhas de madeira, órgãos humanos de cera, placas, velas, imagens de São Genaro (do qual era devota) e milheiros de Santo Expedito (a quem por certo recorreria) numa capela forrada de azulejos de cozinha no Cemitério da Filosofia, no bairro santista de Saboó. Vestidos de noiva – pagamento de promessa em troca do desencalhe – constatam a polivalência da santa, a quem o matrimônio não fez, exatamente, bem. "Tem moça que pede emprestado um vestido desses para casar", diz Marli de Paula Augusto, zeladora da capela desde 1996. "Só peço cuidado para não estragar porque outra pode ter precisão."
Embaixo de uma placa dourada com uma boca de cofre, rasgo que aceita colaborações da comunidade, jaz o poema de uma fiel. "Maria seu nome/daquela desconhecida/que foi acompanhada/por essa morte inesperada/arrancando sua vida/e também daquele que/com ela nascia." É uma menção discreta ao bebê que Maria expeliu post mortem, uma menina que beirava os seis meses de gestação e que com ela está enterrada no Saboó. Por ter matado mãe e filha, o crime de Pistone perturbou mais o País que a versão similar de 1908, quando o comerciante Michel Trad socou seu sócio, Elias Farah, num baú que quase conseguiu arremessar ao mar de Santos. Pego em flagrante, Trad foi deportado para Beirute, sem mala nem cuia.
O italiano Pistone também se postou como cão de guarda sobre a encomenda que tencionava despachar para a França a bordo do navio Massilia. Até aquele momento, fizera peripécias. Depois de asfixiar a esposa num apartamento que os dois alugaram na Rua Conceição, atual Cásper Líbero, ele ainda esperou dois dias até acomodá-la, por assim dizer, dentro de um baú de madeira de 1 metro de comprimento por 50 centímetros de altura e largura, que mandou confeccionar na Avenida São João. Maria Féa já tinha as articulações enrijecidas. Foi preciso talhar-lhe parcialmente os joelhos com navalha na altura da patela, de forma que dobrassem sobre o ventre, e ainda luxar seu pescoço. Por cima, numa prateleira móvel, Pistone acumulou uma pilha de roupas, acessórios e objetos pessoais, de saia de casimira a pares de luvas, de sapatos a panos de prato, tencionando esconder o barulho que o corpo poderia fazer na movimentação. Como arremate, salpicou pó de arroz. O fedor era um problema à vista.

Ex-votos se multiplicam na capela de Maria Féa
Foto: Mônica Manir, publicada na página 18 de O Estado de São Paulo, de 16/5/2010


Não contente com a fechadura sólida, Pistone enlaçou a mala com três metros de corda de juta. Chamou então um caminhão para levar a carga até a Estação da Luz, de onde partiu para Santos. Lá contratou outro caminhoneiro para o transporte até o porto, onde o baú recebeu o rótulo da Companhia de Navegação Chargeurs Réunis, com destinação a Bordeaux e o nome fictício Ferrero Francesco manuscrito a lápis-tinta de traço roxo. O pó de arroz já tinha perdido a validade. Desde São Paulo era evidente o cheiro nauseabundo da mala. No porto, uma mala fétida com selo de terceira classe não parecia fazer grande diferença diante das bagagens de carne, salame e outros víveres dos quais os passageiros costumavam se servir durante a viagem.
Içada, porém, a mala deixou escorrer um líquido escuro, que chamou a atenção de quem trabalhava no armazém 14 da Docas. Quando Maria Féa foi literalmente descoberta, Pistone já comia o chão num táxi de volta a São Paulo. A polícia, no começo perdida a ponto de atribuir a autoria do crime ao exilado Trad, acabou por fazer todo o caminho contrário até chegar ao "bárbaro assassino", como a imprensa o tarjou. Acuado, Pistone confessou o crime. Mas a causa, a seu ver, era justíssima. Ao voltar para casa um pouco mais cedo, vira um homem no corredor do prédio onde moravam. O suspeito, associado á sua mulher em trajes ínfimos em plena hora do almoço, montava um cenário óbvio de adultério. Sem chance de agarrar o amante, Pistone atirou-se sobre a garganta de sua querida Mariuccia, tirando-lhe a vida num descontrole latino.
Quem prefere seguir a pista do dinheiro à da honra atribui a morte a um golpe que Pistone tencionava dar no primo que o empregava numa casa de salames. O italiano escreveu à mãe pedindo dinheiro para uma sociedade com o parente. Diante da negativa materna, sustentou a proposta de 150.000 liras de participação, o que teria levado Maria Féa a escrever à sogra explicando oimbróglio e perguntando o que podia esperar de um homem sem juízo nem capricho. Não chegou a postar a missiva. Ao descobrir a carta, Pistone a teria esganado ou sufocado com um travesseiro, algo que a perícia terminou por não confirmar.
Giuseppe Pistone, o jovem magricela de olhos azuis e calvície proeminente, foi condenado ao mesmo número de anos que carregava na época do crime: 31. Dezesseis anos depois, o presidente da República comutaria sua pena para 20 anos. A 3 de agosto de 1944, ele se viu em liberdade condicional. A definitiva viria em 5 de novembro de 1948. Do Carandiru seguiu para Taubaté, onde se empregou como zelador de um prédio.
Houve quem se apiedasse dele na prisão, João Carlos da Silva Telles, diretor do Instituto de Biotipologia, assim definiu o temperamento exemplar de Pistone: "É uma pessoa boa, tendo matado mais por ímpeto. Não é, como se comenta por aí, um sujeito mau. Essa fama lhe caiu mais por sensacionalismo da imprensa, que o mostrou maldosamente como o mais desalmado dos facínoras".

VERSÁTIL – Vítima da crueldade do marido, ainda assim é vista como casamenteira
Foto: reprodução, publicada na página 18 de O Estado de São Paulo, de 16/5/2010


Rio, 2010 – Nessa semana, a mãe biológica de Íris Bezerra de Freitas não via misericórdia para o ex-marido da filha, Rafael da Silva Lima. "Se ele estivesse aqui na minha frente, eu viraria uma bandida", deixou escapar Maria José, para depois dizer que a culpa de tamanha mágoa era da dor que a consumia. Rafael é o principal suspeito de ter matado Íris a facadas, colocado a moça de 21 anos numa mochila azul, dobrado seu corpo como se fosse ela uma contorcionista e jogado a mala no canal da Rua Visconde de Albuquerque, no Rio de Janeiro. A moça, natural de Fagundes (PB), foi encontrada por funcionários da Rio Águas em dia de limpeza do canal.
A polícia não descarta a premeditação do caso. Dias depois do ocorrido, a mãe de Rafael levou a filha do casal, de 2 anos, para a cidade de Chã de Alegria, em Pernambuco, aparentemente sob o aval de Íris. Sabe-se que o casal brigava constantemente por ciúme e Rafael, atualmente desempregado, não teria aceitado com tranquilidade ser demitido também do casamento. Ambos moravam na favela da Rocinha. Íris, mãe também de um menino de 4 anos gestado em casamento anterior, trabalhava como caixa de uma loja de roupas em Ipanema.
O enterro em Fagundes teve comoção geral, pela mocidade da paraibana e pelas características do crime. "Não tive coragem de ver aquele objeto em que ele colocou minha filha", diz Maria José.
O baú que acondicionou Maria Féa está em exposição no Museu da Polícia Civil, à porta da Universidade de São Paulo. Ilustra o tópico "crime da mala". Já a navalha, com a lâmina quebrada em várias partes, foi roubada.
Uma câmera, localizada num prédio perto da Avenida Visconde de Albuquerque, identificou um homem carregando uma bolsa grande sobre os ombros na direção do canal. O volume, porém, impede a visualização do rosto do suspeito, e Rafael, até este instante de escrita, continuava foragido.
Pistone, como dito, se empregou como zelador de um prédio ao sair da prisão. Ganhava 200 mil réis livres por mês, salário que lhe permitia constituir família, como de fato fez. Casou com uma corajosa faxineira da Colônia Penal Agrícola de Taubaté, a viúva Francisca Amélia da Silva, cujos sete filhos só souberam do passado de Pistone 11 anos depois da união. O adultério foi sua justificativa para o maior deslize de sua vida até o enfarte do miocárdio, que o acometeu em 28 de junho de 1956.
Enterrado em cova rasa e exumado cinco anos depois, Giuseppe Pistone perdeu-se no ossário do cemitério da Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco, do Convento de Santa Clara, na mesma Taubaté. Uma reportagem da época, fantasiosa talvez, diz que ele teria comprado a sepultura de Maria Féa e a tornado perpétua – eternidade que a crença popular tratou, muito antes, de apropriar para si.



RECORRENTE – Íris foi achada numa bolsa jogada em canal do Leblon
Foto: Letícia Pontual/Agência Globo, publicada na página 18 de O Estado de S. Paulo de 16/5/2010
ARREMATE 
Ocultação mórbida – Domingo, 9 de maio – O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decreta a prisão temporária de Rafael da Silva Lima, de 27 anos, suspeito de assassinar a facadas a ex-mulher Íris Bezerra de Freitas, de 21. O corpo dela foi encontrado dentro de uma mala, no canal do Leblon. Até o fechamento desta edição, o suspeito permanecia foragido.

Imagem: detalhe da página 18 de O Estado de São Paulo, de 16/5/2010


Imagens 1928


Viajantes e marinheiros cercam a mala suspeita.
Dentro da mala o cadáver de uma mulher.A mala tinha cerca de 50 cm de altura por 50 cm de largura. O cadáver repousava sobre dois travesseiros com fronhas verdes e amarelas.



Rua da Conceição,São Paulo,em 1928, no apartamento 5, do número 34, a mala fúnebre foi entregue.
Giuseppe Pistone em 1923
Maria Mercedes Féa
Pistone e Maria Féa em Buenos Aires, após voltarem de Canelli

"Casa de apartamentos", número 34 da rua Conceição. Giuseppe Pistone e Maria Féa moravam no terceiro andar.


Livros

Livro Crimes Que Abalaram O Brasil - Linha Direta - Novo



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Filme

O assassinato de Maria Féa, virou filme nas mãos de Francisco Madrigano e dias depois, por Antônio Tibiriçá.O Crime da Mala - Tragédia Silenciosa, foi filmado um mês depois ao crime ocorrido na rua da Conceição.Com Antônio Sorrentino (Pistone) e Amanda Leilop (Maria Féa).


Imagens do filme de 1928








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